quinta-feira, 27 de março de 2014

desafiando a gravidade*

Desde o final do ano passado que Rodrigo e eu retomamos uma prática tão comum quanto ele era pequenino: ler livros juntos. É engraçado, mas depois que ele aprendeu a ler, a gente foi abandonando esse hábito que era tão gostoso - quando ele sentava no meu colo e a gente ia lendo e olhando as ilustrações e ele ia acompanhando com atenção as histórias, muitas vezes repetidas à exaustão. Ele gosta de ler, é um leitorzinho voraz. Mas nem por isso precisamos abandonar a atividade comum.
Aí a Veronika comentou sobre Cósmico e a gente ficou curioso. E resolvemos começar a ler. Juntos. Um capítulo por noite, antes de dormir.
E o livro é mesmo absolutamente encantador. É muito divertido, mas essa nem é sua característica mais sedutora: o livro é também uma bonita reflexão sobre paternidade/parentalidade e, mais ainda, sobre quão dura pode ser a cisão abismal entre infância e vida adulta.
Liam e Florida são personagens centrais da história. Liam é um menino de doze anos, que por um mistério ficou grande, barbado e passou a ser subitamente visto como um homem. Um homem jovem, de idade indefinida, mas um homem. E é super bonito como ele vai aos poucos passando da posição de ver a vantagem nessa mudança para lamentar que ele seja sempre julgado por seu tamanho. "Um rapaz do seu tamanho não deveria...", é o que passa a escutar de desconhecidos. E o que raios tem tamanho a ver com maturidade, ele se pergunta? Por que ninguém consegue ver que ele é um menino, e um menino de doze anos? Dá pra sentir a angústia de todas as crianças, frequentemente presas na armadilha de que são sempre pequenas demais para algumas coisas e grandes demais pra outras (e, em geral, são pequenas pra experimentar coisas legais e pequenas demais pra continuar fazendo algumas coisas legais!).
Então, Cósmico traz essa reflexão sobre o descolamento entre o tamanho que a gente parece ter e o tamanho que sentimos ter. Desvela o processo pelo meio do qual a gente nunca cresce num único sentido e é meio como Alice - de vez em quando gigante, de vez em quando formiga...
Mas Cósmico também é uma reflexão sobre paternidade/parentalidade. Os pais que aparecem no livro - à exceção do pai de Liam - são odiosos. Eles não enxergam seus filhos como crianças (mesmo eles não tendo o 1,80m de Liam) e nem enxergam seus filhos de fato: os filhos são as projeções de si mesmos, de seus sonhos de grandeza, de riqueza. Há razões para que seja assim, como a gente vai descobrindo, e eles não são maus, senão equivocados. Tipo: muito equivocados.
Em sua jornada no espaço, Liam descobre-se ao mesmo tempo um menino (de doze anos, assustado e querendo chamar seu pai) e um homem bem maior que seu 1,80m: ele vai até o espaço para se colocar no lugar do seu pai e compreendê-lo, assumir seu lugar. O menino de doze anos é o melhor pai que os outros meninos já tiveram!
É difícil falar do livro sem tratar do desfecho, mas vou tentar: a solução que o autor dá ao livro é também muito delicada. Ele não resolve as coisas por decreto: a solução é outra, menos evidente. "O pai" é o rastro, pouco visível, traçado justamente quando ele se ausenta e é possível, pela primeira vez, uma ação sem sua sombra.
Tem também uma outra coisa no livro que chama a atenção: a quase obsessão de Liam com a gravidade. De fato, é o desencadeador de todo o drama. Liam quer saber tudo e experimentar a sensação da falta de peso. Para alguém que se sente aprisionado num corpo desencontrado em relação a si mesmo, essa é uma obsessão compreensível: quando o corpo se torna menos pesado? ou, mais precisamente, em que situações a correlação entre a força da gravidade e massa modifica o peso? em que situações é possível simplesmente flutuar? e o quanto esse breve momento pode modificar toda uma vida - todo o peso suportável, relativizado pela lembrança querida de um instante em que uma liberdade foi possível?

* o título da postagem é de canção do musical Wicked.

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