(1) sísifo: há livros que
são impossíveis de vencer e se acumulam aos montes - nas estantes, na
consciência ou simplesmente na cabeceira da cama. abri-los é reviver o
cansaço. insistir, apesar de inútil. nesse caso, a leitura, sempre breve
e logo interrompida, se faz entre suspiros e os olhos pesados.
(2) correnteza:
há escritores que escrevem tão liso que os olhos escorrem pela página,
ávidos. uma escrita sem quinas nem arestas. as palavras deslizando musgo
a musgo o caminho até o ponto final. que para atravessar o fluxo,
servem pontes ou pedras.
(3) entrega:
há também escrituras suaves, que estendem a mão e a leitura é, então,
caminhar lentamente nos passeios frescos. a escrita quase tão macia
quanto a anterior, mas os paragráfos dão outro ritmo ao olhar. se alguns
trechos comportam passada mais cadenciada, em outros há que se demorar:
alternam-se capítulos áridos com outros mananciais. e para percorrer as
páginas até o fim, só mesmo a confiança na mão que se tomou ao abrir o
livro.
(4) espera:
tem escritos que não entendemos e que, ainda assim, fascinam. os olhos
voltam-se quase fixos para as páginas, bem abertos, tentando adivinhar
no todo o lugar de cada palavra. feito deitar no chão numa noite
estrelada e tentar, sem treino, nomear constelações. ânsia de ordem e
sentido. tem livros que a gente lê e relê sentado do lado de fora da
porta trancada, esticando os ouvidos para os passos e as voltas na
fechadura.
(5) arqueologia:
tem ainda os livros-tesouro. dos mais raros e dos menos afeitos à
taxonomia, pois o valor não se mede em sal, ouro ou moeda, e o que é
significante para uns é alimento de traças ou fogo para outros. os
livros-tesouro lemos com olhos lânguidos, cada página um beijinho atrás
da orelha. os livros-tesouro também lemos bem de perto, para os cílios
escavarem os parágrafos em busca da sentença-pérola que faísque a
certeza da preciosidade.
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